"The moment always dictates in my work…Everybody can look, but they don't necessarily see… I see a situation and I know that it's right."
André Kertèsz
O húngaro André Kertèsz - que dizia ja ter nascido fotógrafo- tem uma das mais ricas biografias associada a fotografia, e também das mais conflitantes. Autodidata virou referência em mais de uma área da arte fotográfica e da mesma forma com que fez parte da elite vanguardista da França, em algum momento também precisou vender seus trabalhos a custo da sobrevivência. Sua história e estilos são divididos em períodos históricos, geográficos e políticos distintos, desde a Hungria - sua terra natal, a passagem pela efervescente cena francesa do entreguerras até o exílio em Nova Iorque, cidade que nunca o satisfez, mas onde morreu aos 91 anos como cidadão americano.
"O momento geralmente orienta meu trabalho…Qualquer um pode ver, mas não veem necessariamente… Eu vejo uma situação e sei que é a correta."
Sua frase mais representativa expressa o olhar transparente porém bem resolvido transmitidos por suas imagens. "O que sinto é o que faço", diz, e permitindo-se passar por várias correntes como o surrealismo, construtivismo ou humanismo - quase sempre à frente de todos eles - faz de seu projeto artístico algo que não consegue ser classificado, e cuja única coerência básica é a maturidade do olhar.
Estrangeiro em quase todos os espaços, foi perseguido ora por ser judeu na França, ora por ser de um país inimigo na América durante a Segunda Guerra. Chegou a ser proibido de fotografar as ruas de Nova Iorque e de publicar seus trabalhos, uma contradição frente as suas maravilhosas imagens do cotidiano europeu, tanto de sua infância em Budapeste onde já mostrava precoce entendimento poético e social, como do universo dos artistas, cafés, mulheres, crianças, sombras e objetos parisienses.
Nos Estados Unidos entre outras atividades foi fotógrafo de moda, mas somente após a naturalização passou a poder publicar, sem censuras, fotos mais pessoais, no entanto, os 15 anos em que trabalhou para a revista Casa e Jardim (o que lhe permitiu algum conforto financeiro) mantiveram sua liberdade criativa inibida.
Foi desconhecido durante grande parte de sua carreira e raramente fora citado por seu trabalho, não na proporção de própria busca pelo reconhecimento, aceitação e fama. Nem sempre seus estilos foram entendidos pela crítica, mesmo em sua fase mais pessoal como em as "distorções" (fotos de nus frente a espelhos curvos de 1933 consideradas com truques e efeitos exagerados para os padrões da época).
Para Kertész o tempo passado nos Estados Unidos foi de desfeitas e decepções. Um grande mestre que teve que contentar-se com pequenas demonstrações de reconhecimento. Raramente recebeu más críticas, mas sofreu pela falta delas. Sua visão foi particular, sutil, doce e humanista mas foi tratado com indiferença. Vivia da lembrança do passado de infância, um sentimento aprofundado também por ter perdido a maioria dos seus registros anteriores.
Havia uma maleta cheia de negativos deixados a uma mulher na França, quando estourou a guerra, ambos, mulher e negativos, sumiram sem vestígios. Porém em 1963 milagrosamente eles são reencontrados, e ali fotos deste período. Antes de morrer, querendo salvar seu trabalho, doou seu acervo ao Estado Francês.
Kertész sem estar preso a algum pensamento político mais profundo registrou a simplicidade da vida, e com sentimento nostálgico e íntimo deu um sentido atemporal a sua arte, e quem sabe por isso, e inevitavelmente por isso, seu reconhecimento tenha sido em outro tempo, no tempo após a morte. Sua fotografia combina com sua história, com as vivências e com a história da própria fotografia. Tão complexa e perfeita que o real se funde com o ficcional permitindo ao gênio ter-se acreditado como um fracassado.
Por Marcelo Freda Soares
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